ÓPERA-BUFA #06 Dos símbolos nas coisas simples
e o "botão da desistência" do big brother no olho disso
A culpa foi da pandemia. Quando me vi trancada em casa, indo e voltando escada acima e abaixo, sem poder colocar o pé mundo afora, foi quando me dei o aval de assistir ao big brother pela primeira vez. Não sei se o elenco do programa, de fato, foi interessante ou apenas a situação apocalíptica que vivíamos fez tudo ficar mais penetrante. Ver pessoas próximas umas das outras, festas quase todos os dias e rostos desnudos de máscaras fez, para mim, a magia daquela edição.
Mas faltava um elemento. Na verdade, ele se perdeu durante muito tempo. Das mais de duas décadas de programa, só foi na vigésima segunda edição que o botão da desistência apareceu. Talvez você se lembre daquele icônico vídeo do finado big boss boninho apertando e dizendo se o cara apertar, tchau!, e a internet, como sempre, indo à loucura com a produção de sem fim de figurinhas e gifs desse frame.
Fiquei me perguntando como o tal botão da desistência não existiu desde o primeiro ano de programa. Antes, para aqueles que não aguentavam a dinâmica por any motivos, o jeito de pedir para sair era esperar o confessionário abrir e, quase, responder um questionário à produção sobre o porquê da decisão.
Lucas Penteado. Jovem cantor, compositor e rapper paulista. A wikipédia diz que Lucas ganhou notoriedade nacional ao participar da vigésima primeira edição do bbb, a mesma de Karol Conká e Juliette. Não entrando no mérito do recorde de rejeição que Karol Conká teve, afinal, isso também mexe com muitas camadas que vão além da “implicância” com Lucas.
Mas, numa noite de festa, ele decidiu que era seu último dia no programa. Organizou o que conseguiu das malas e ficou esperando por horas a porta do confessionário abrir para pedir para sair. Ao menos, umas três pessoas tentaram convencer ele a ficar, mas não conseguiram.
Agora, não precisa de mais tanto tempo para pensar. Bastava apertar o botão vermelho e tomar rumo de casa.
Apesar dos pesares, para mim o big brother é um imenso experimento social sobre o jogo da vida. Quantas e quantas vezes a gente não escuta os participantes dizendo isso: é pelo jogo; o jogo pediu; aqui dentro é jogo, lá fora é vida normal. Mas o que é vida afinal? Um banco imobiliário ambulante de interesses de uns pelos outros, pensando qual o benefício que tal interação vai ter na carreira alheia.
Não acho que o big brother seja um jogo, pelo menos, não só isso. Ao contrário, penso nesse programa como um espelho quase perfeito do ser humano, seus dilemas, dores e anseios. E é aí que o botão da resistência aparece mais forte que nunca.
Cem dias de programa, tantos prêmios ganhos e dinheiro na conta que são perdidos com um simples pressionar na parede. Por que, então, alguém que passou por todo o processo seletivo, que dizem levar meses, com a última etapa sendo a cadeira elétrica (em que o participante precisa defender com unhas e dentes porquê quer ser vigiado vinte e quatro horas por dia durante três meses), acabaria com tudo em segundos?
O botão é um suicídio social. Um grito de cansaço. Um chega perante o assédio moral vivido naqueles quartos. Basta vermos as últimas pessoas que desistiram do programa para perceber isso. Talvez mais profundo do que só listar as origens delas e pensar que tinham tudo para desistir, é pensar nos últimos dias da casa que cada uma delas teve.
Mesmo quem assiste ao pay per view, e pode ver os participantes de todos os ângulos possíveis, há uma perspectiva que faltará para sempre, já que nunca terá como saber o que se passa dentro da cabeça daquelas trinta pessoas que se submetem a viver dentro de uma casa cenográfica (a propósito) exageradamente iluminada. Duma claridade que dá dor de cabeça até para quem assiste da televisão.
A cada edição, o big boss muda a cor do tapete, a decoração dos quartos, o ladrilho da cozinha, até a estratégia para acumular ou reduzir o prêmio final, mas o botão continua lá. Mesmo que o enfeitem para deixá-lo nos moldes dos outros móveis da casa, tentando reduzi-lo a enfeite, não dá mais para tirar.
Ele fica lá, assim como os nossos botões da vida fora dos estúdios seguem andando pelas ruas. Como se nada estivesse acontecendo.